terça-feira, 27 de abril de 2010

O Dops nas ruas de Rivera

"Ele estava lá em Rivera, e uns amigos dele, que ele tinha contato com gente da fronteira, ele sempre seguiu fazendo contato, com gente que queria fazer uma contra-revolução, o contra-golpe. E marcaram pra ir encontrar com ele, e deram um nome. Mas ele não conhecia quem era. E aí ele pegou o carro, e eu disse, tu não vai sózinho, tu não sabe quem é...e aí nós fomos. Foi ali perto da Delegacia de Rivera, ali tem uma Igreja, e uma ruazinha que não tem muito movimento. Eu fiquei dentro do auto, ali perto da igreja católica. E ele desceu e foi a pé lá para encontrar essa pessoa. Ele não sabia quem era. E quando ele foi lá encontrar era uma cilada. Tinham cinco, e tentaram pegar ele, e ele era um homem forte, porque nós tínhamos uma chácara, e ele revirava aquelas terras, fazia horta (...) E daí foi quando quiseram prender ele, empurraram ele pra dentro da camionete, duas ou três vezes, e ele dava um pulo, e não conseguiam segurar ele. Ele era muito grande e forte. Da última vez ele disse que já estava dentro, quando ele fincou com o pé no banco, empurrou assim o pé no banco e caiu pra fora. E gritou: - Tão me seqüestrando! Gritou, gritou e ia passando um cara da polícia, que é bem perto a delegacia ali, e disse: É o deputado Burman, tão sequestrando! Porque tinha guarda do Uruguai que cuidavam dele, que iam lá em casa. E quando ele gritou assim, o cara esse era conhecido até nosso, sabe? Era um sargento ali da brigada de Rivera. E viu isso e pegou e veio correndo de revólver e deu um tiro, e eles se assustaram e soltaram o Orlando e correram. E ele ainda deu uns tiros nos pneus do carro. E atiraram o Orlando e tentaram passar por cima do Orlando, que estava caindo assim no lado. Mas ele deu uns tiros e não conseguiram pegar ele. Senão iam matar o Orlando, já tinham matado um antes, uma guria que teve lá em casa. Gente daqui. Era uma guria que tinha vindo de São Paulo, foi se exilar, filha de um médico".
A edição do jornal santanense A Platéia, de 31 de março de 1971, estampava a tentativa de sequestro em Rivera do ex-deputado estadual e ex-prefeito de Ijuí, Beno Orlando Burmann (PDT-RS). Diva Burmann, companheira de Beno no exílio rememora no texto acima a ação dos homens do DOPS gaúcho, em mais uma operação que não distinguia limites territoriais, subscrita pela doutrina de segurança nacional. Publicado em Retratos do Exílio, Solidariedade e Resistência na Fronteira (Edunisc, 2009).

terça-feira, 13 de abril de 2010

O empastelamento dos jornais federalistas


Esgotada a munição, os defensores d´O Maragato empreenderam a retirada, abandonando a tipografia e procurando abrigo nos prédios vizinhos. Nem todos, porém, conseguiram refúgio seguro, sendo muitos deles aprisionados. Nessa oportunidade, procurando evadir-se, o preto Francisco foi atingido por diversas descargas, caindo sem vida em frente à Livraria La France. Do pessoal que defendia o prédio atacado, apenas fora ferido o tipógrafo Pedro Caranta, administrador das oficinas do jornal, que, sem condições de fugir, ocultou-se dentro de uma grande caixa que servia para guardar o papel. Quando os blancos conseguiram entrar foi ele descoberto e ali mesmo degolado. Boaventura Izaguirre, julgando-se inseguro no local onde se encontrava, saiu à rua e investiu sobre a linha divisória, na esperança, talvez, de atingir a guarda que custodiava a Alfândega (localizada onde hoje se encontra o Varejo Sayon), mas foi alvejado várias vezes. Antes de cair mortalmente ferido quase na esquina da Avenida Tamandaré, matou com certeiro balázio ao jovem Pedro Curvello, de apenas dezessete anos, e que integrava o contingente civil às ordens de Gentil Gomes. [..] Ali mesmo Boaventura Izaguirre foi degolado pelo tenente Conceição Coronel, pertencente às forças do Caty.

O historiador santanense Ivo Caggiani, narra no texto acima o espastelamento dos jornais federalistas O Maragato e O Canabarro, em 16 de março de 1903. Opositores ferrenhos do governo Julio de Castilhos, derrotados em 1895, os desterrados federalistas editavam os dois jornais em Rivera. Na fronteira, castilhistas e Blancos mantinham um equilibrado entendimento político, nas figuras dos caudilhos Abelardo Márquez, chefe político uruguaio, e o coronel João Francisco Pereira de Souza, republicano. Publicado em "Retratos do Exílio - solidariedade e resistência na fronteira" (Edunisc, 2009).

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Manoel Coelho: entre militantes e infiltrados

[...] os salafrários, vigaristas, que aplicavam golpes, iam para lá e disfarçavam-se de exilados, inimigos da ditadura. Existiram muitos casos desses, muitos, muitos. Era preciso ter muito cuidado. Eles vomitavam um palavreado belicista, super-revolucionário, e na verdade eram provocadores. Eles faziam provocação para parecer uma coisa e tirar proveito disso, pegar dinheiro de alguém lá, do próprio Brizola, ou do Jango, sob o pretexto de voltar. Eu mesmo cheguei a fazer isso, ajudar uma pessoa. O pouco dinheirinho que eu tinha, eu dei para ele fazer uma viagem a Porto Alegre, e no fim era um provocador. Estava lá. Então sempre tinha que se ter muito cuidado a quem oferecer solidariedade. Porque às vezes se estava oferecendo solidariedade para o inimigo. Evidentemente havia solidariedade, eu mesmo fiz o que foi possível. Respondi um inquérito, fui preso e passei o que passei, sob esse pretexto. Não me arrependo, porque é o mínimo que se pode fazer numa situação como essa.
Manoel Luiz Coelho (foto), militante do PC do B, exilado na fronteira no início dos anos 70, relembra dos "infiltrados", que atuavam a serviço da ditadura. Publicado originalmente em Retratos do Exílio, solidariedade e resistência na fronteira. (Edunisc, 2009)